sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O CAMACHO DESAFIA: ONDE ESTÁ O MEU PAI?


NESTA FOTO ESTÃO COLEGAS NOSSOS, CERTAMENTE JÁ TODOS FALECIDOS.

ENTRE ELES ESTÁ UM CAMACHO, O PAI DO NOSSO COLEGA MILITÃO CAMACHO, AMBOS QUINTOBAIRRISTAS.

ONDE ESTÁ O CAMACHO?



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

LAIKA - UM CONTO CONTRA A INDIFERENÇA!


PUBLICADO NA ANTOLOGIA DE CONTOS

“CACHORROS, CACHORRINHOS” – EDIÇÃO “HUGIN”- 2002

 
 
LAIKA, DEUSA DO ESPAÇO

CONTO DE: LUÍS PESSOA 

Alexander levantou-se, meio combalido e não deixou de mandar um grito, misto de alegria e dor:

  Laika, larga! Laika!

 
A cadela, olhos brilhantes e cauda ondulante, deu mais uma volta no ar e atirou-se de novo sobre o rapaz, deixando-o quase sem fôlego.

 Erik e Ludmila, sentados a um canto, fora do palco em que se desenrolava toda a acção, sorriam com as traquinices da cadela.

 Erik, achas mesmo que a Laika vai para o Espaço? – Interrogou Ludmila, com voz sumida.

 Creio que sim, ela está preparada para isso…

 A “luta” acabou e Alexander e Laika juntaram-se aos outros dois, ofegantes mas irradiando uma felicidade contagiante.

 

A história começara há algum tempo atrás, quando o pai de Erik apareceu em casa com a cadela, que prontamente foi adoptada, não só pela família, mas também por toda a vizinhança. Uma cadela banal, normal, mas transportadora de uma enorme carga: Fora seleccionada para ir ao Espaço.

 

O pai de Erik trabalhava no projecto espacial desde há alguns anos e fora-lhe incumbida a tarefa de encontrar o cão apropriado para essa aventura.

Escolhera Laika.

 Desde essa altura, Erik mostrava-se preocupado e as notas na escola sofreram uma acentuada queda, o que fez com que o pai tivesse uma longa conversa com ele, que se centrou, naturalmente, na situação da cadela.

 
O pai fez ver a Erik que a Laika não era dele, nem de ninguém, mas de todos os habitantes do Mundo e que ia cumprir uma missão que só estava ao alcance dos grandes heróis. Seria venerada para todo o sempre, como exemplo de heroicidade e abnegação, motivo de todos os orgulhos.

 Pai, a Laika vai voltar?

 
 Olha, filho… - longa hesitação perante aquele olhar quase suplicante de uma resposta positiva – ninguém pode dizer o que se vai passar…

 
Mas volta, pai?

 Sim, filho, vai voltar! – mentiu.

Os medos foram atenuados e tudo parecia correr bem, até ao momento em que Ludmila apareceu com a triste notícia:

 
Ouvi o teu pai dizer que nem sabe como é que te há-de contar que a Laika não pode regressar. Estás a ouvir, Erik, a Laika vai morrer lá em cima…

 
Não, nunca! O meu pai nunca me mentiu e não o ia fazer agora… Não acredito!

 

 Erik, juro-te que é verdade!

 
Temos de fazer alguma coisa! – interrompeu o Alexander. – A Ludmila não ia mentir ou brincar com isto. O teu pai não te contou tudo… Temos de esconder a Laika, levá-la para longe daqui, não sei… Talvez para casa da minha tia.

 
A angústia espalhou-se por aquela três criaturas e um milhão de hipóteses varreu, em turbilhão, aquelas cabecitas, ainda puras no pensar e ingénuas nos propósitos.,

 
É isso! – gritou Erik. – Vamos fugir com ela, apanhamos o comboio, escondemo-nos no furgão das cargas e vamos embora. Assim não a apanham!

 

 Boa, vai buscar a Laika, Alexander, enquanto eu preparo alguma coisa para comermos, nós e a Laika!

 

Cerca de quinze minutos depois, os três miúdos estavam prontos, com a Laika presa pela trela e decididos a tudo.

 
O pai de Erik não falara de grande aventura? Pois era o que ia acontecer, sem ter de mandar a Laika para o Espaço!

 

O sol já ia alto quando chegaram à estação de comboios. Ludmila morava ali perto e sabia os horários e as linhas de onde partiam todas as composições e assim não houve enganos nem complicações.

 

Horas depois, dois cenários se desenhavam: No comboio as crianças dormiam ao redor de Laika, em busca de um pouco de calor, que as temperaturas negativas e a falta de conforto, não propiciavam; Lá longe, umas centenas de quilómetros atrás, várias famílias procuravam-nos, tentando perceber o que os fizera largar tudo e partir.

 
Só o pai de Erik sabia…

 

Com o alarme dado, com todas as autoridades no seu encalço, porque eram apenas crianças com uma cadela, não foi particularmente difícil encontrá-los, lá longe, onde o gelo, a neve, a fome e o frio imperavam.

 

Numa última e desesperada tentativa, Erik falou com Laika e contou-lhe tudo, contou-lhe que a queriam mandar para o Espaço, que o pai lhe mentira e que ela jamais poderia regressar à Terra, que estava condenada à morte e que tinha de fugir a todo o custo.

 
Eles andam à nossa procura, não de ti, Laika! Vai embora, corre, esconde-te, procura um rapaz que te possa defender melhor que eu, vai embora!

 
As lágrimas escorriam pela face do garoto, perante a incredulidade dos polícias que presenciavam a cena, sem nada entenderem. Um deles chegou mesmo a simular um pontapé na cadela, para a afastar, mas sem êxito.

 
Acabaram todos recambiados para a origem, onde foram recebidos com natural alívio pelas famílias.

 
Meses depois, a 3 de Novembro de 1957, num dia muito frio, Laika cumpriu o seu destino trágico, ela que se recusara a fugir enquanto podia.

 
Durante uma semana inteira, Laika vagueou no Espaço, onde nunca estivera qualquer ser terrestre.

 
Durante todo esse tempo, três pares de olhos mantiveram-se dirigidos para o alto, para o céu estrelado, procurando o ponto luminoso, muito brilhante, que transportava a sua amiga.

 
Foi então que tudo acabou para Laika, quando ingeriu a sua última ração alimentar, que continha uma poderosa droga que a fez mergulhar no sono eterno e repentinamente, em toda a Terra, milhões e milhões de cães, lobos, coiotes, lancinaram os ares com uivos, enquanto o céu era atravessado por milhares de estrelas cadentes, numa homenagem à Deusa do Espaço.

 
Menos de três anos depois, a 19 de Março de 1960, os três amigos inseparáveis estavam de olhos no ar para assistir à partida de mais amigos seus, Belka e Strelka, dois alegres cães, que após um dia no Espaço, regressaram sãos e salvos, cumprindo-se a promessa feita pelo pai de Erik, de que todos os cães passariam a ter a hipótese de voltar e só se alguma coisa corresse mal, não regressariam, como veio a acontecer a 1 de Dezembro desse mesmo ano, quando Pchelka e Mushka viram a sua reentrada na atmosfera falhada e por lá morreram…

 
Heróis ou apenas cães obrigados a cumprir um destino que os homens lhes traçaram, nunca saberemos ao certo.

 
Certo, mesmo, é que Laika não quis fugir, algures no meio de nada.

 
As deusas não fogem, muito menos morrem!

 
Luís Pessoa

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

GREVE


OS QUINTOBAIRRISTAS CONTINUAM ADORMECIDOS...

DURMAM... DURMAM... DEPOIS QUEIXEM-SE!

CÁ VAI MAIS UM CONTO.
DESTA VEZ DA ANTOLOGIA "CACHORROS, CACHORRINHOS..." DE 2001, DAS EDIÇÕES HUGIN:



 GREVE

CONTO DE LUÍS PESSOA


Nem quero pensar no que senti quando entrei pela primeira vez naquele reino esquisito, onde tudo rodava ao sabor dos caprichos de miúdos rabugentos e adultos capazes de registar os pensamentos mais confusos, até para mim.

O Joca era um adolescente em crise de afirmação, que procurava por todos os meios chamar a atenção para uns pelitos que despontavam numas bochechas rosadas, quase retiradas de um leitão imberbe.

A Lara era a personificação de uma alma penada em busca do sossego perdido quando uma imobiliária resolve urbanizar em redor do cemitério. Todo o dia deambulava de cá para lá, procurando alguém a quem chagar até ao desespero, com uma voz irritada e irritante… Era a mais suportável, apesar de tudo.

Dos adultos, direi apenas que o Pai era um típico homem dos nossos tempos, nem carne nem peixe, ora bem disposto – assobiando as pestilentas árias que ouvia à saciedade quando atirava a carcaça de um bom cento de quilos para cima do sofá, abaulado de tanto peso, ficando preso durante horas e horas em frente da televisão, devorando novelas, futebóis e cerveja, que tinha o condão de despertar sonoros arrotos que ecoavam nos quarteirões vizinhos -, ora embirrando com tudo e todos, a começar por quem estava mais à mão de semear.

Da Mãe, suave e querida matrona de carnes flácidas, quase permanentemente empanturrada em cachorros empastados em mostarda e grossas postas de toucinho, de aspecto encardido, escorrendo fluidos gordurosos, que ia disciplinando com movimentos certeiros de língua, mais para que nada se perdesse do que para não sujar roupas ou sofá, pouco havia que dizer e, do meu ponto de vista, quase sempre bem. E digo quase, porque havia dias em que tudo parecia correr mal:
Era a novela das 7 em que o Florindo não se decidia a embarcar no veleiro do amor com a Serafina, “uma moça tão querida, onde é que ele vai arranjar alguém como ela? Digam lá?; era o rapazinho do Big Brother que se estava a atirar à Belinha, “coitada, ela tem namorado, não vês? Devias era atirar-te à Necas, essa sim, uma mulheraça!”; era o comando da televisão que deixava de funcionar e assim não conseguia, nem com toda a boa vontade que os cento e tais quilos podiam permitir, acompanhar as novelas da Um, da Três e da Quatro…

Para completar o quadro familiar, faltava a Tifany, a estúpida e cretina gata, que passava os dias a roçar-se pelos cantos, com pretenso ar distante e superior, irritante!

Quando cheguei, não posso dizer que as portas se tivessem aberto de par em par, mas sempre pude ouvir algumas exclamações mais ou menos elogiosas, acompanhadas de promessas de amor eterno e ais ternurentos a que o meu passado não estava nada habituado. E nem o facto de eu ser preto diminuiu as manifestações de afecto, gata à parte!

Como boa família que se gabava de ser, fui prontamente integrado em todos os aspectos da rotina diária e não diária. A minha cama era uma maravilha, a mesa farta, sentia-me bem. Várias vezes por dia era suavemente convidado para longos passeios pelas redondezas, para me ambientar com as ruas, os jardins, os vizinhos… Tudo jóia!

O pior veio depois, quando o Pai apareceu com ideias, no mínimo esquisitas. Foi ao armário onde guardava todas as inutilidades e apareceu com uma arma caçadeira enferrujada, que oleou até à exaustão, badalando aos quatro ventos que finalmente compreendera que estava a sofrer os malefícios de uma vida sedentária, que conduziria inevitavelmente à ruína física e psicológica, “patati, patatá” e por isso tomara uma decisão, melhor, tomara A Decisão: Ia caçar!

Assim de repente, toda a família rejubilou!
O Joca apoiou com todo o vigor, era o que sempre esperara, ou seja, ver o Pai pelas costas aos domingos, era o máximo!
A Lara, apesar de ser ainda uma miúda quase ranhosa, armava-se em conquistadora e arrastava a asa ao borbulhento do vizinho e assim antevia nos longos domingos que se aproximavam, a grande oportunidade de se travestir em pessoa com charme e espalhar o seu amor, que era tudo menos correspondido.
A Mãe, essa ficou um pouco apreensiva, sabia que o Pai não acertava num elefante a cinco metros de distância, mas isso de lidar com armas… Mas acalmou quando soube que eu fora “eleito democraticamente” para o acompanhar para todo o lado, enquanto a mania das caças não se varresse definitivamente, ou pelo menos por uma longa época, daquela cabeça. E depois, com o Pai fora, a televisão ficava inevitavelmente sua, sem futebol…

Foram tempos difíceis, mais ainda do que estava à espera. Com sol ou com chuva, por campos, montanhas e vales, desde a madrugada ainda não nascida, até á noite já instalada, em canseiras que não posso descrever sem sentir um nó na garganta, por lá andávamos, sempre com aquele som terrível de tiros a entranhar-se nos ouvidos.

De caça, nada. Pontaria era coisa que não havia e um responsável pelo fracasso estava sempre ali à mão, era eu! Dizia que me movera no momento do disparo e assustara a lebre, que não estava atento ao tiro e assim nunca dava com a caça, que fazia muito barulho…

Acabou por falhar todos os objectivos. Não houve caça nos pratos da família; a forma física não melhorou com os passeios, em grande parte porque os petiscos e as cervejas se uniram para acabar com a pretensão; o Joca acabou por levar uma de prisão em casa, à guarda da Mãe, por desacatos num bar onde entrara bem atestado de cerveja e saíra mais leve, depois de despejar em plena pista de dança, tudo o que transportava no estômago; a Lara levou uma tampa de todo o tamanho, do borbulhento, que agora se pavoneava na vizinhança, de mão dada a uma também borbulhenta e afogava-se em coca-cola e hamburgers, entremeados com doses bem aviadas de gomas e chupas de aspecto terrível; a Mãe prosseguia a sua saga de acabar com tudo o que se pudesse comer naquela casa, em frente das novelas e romances cor-de-rosa; a Tifany continuava a passar os dias a roçar-se pelas esquinas.

Só o Pai e eu sentimos alguma diferença. Ele, porque redescobriu os prazeres do exercício físico, em frente da televisão, eu porque finalmente tinha encontrado o direito ao repouso, ou pelo menos assim pensava, até que a Lara se encarregou de estragar as perspectivas ao largar as colas e dedicar-se a comparar-me com a Tifany, vezes sem conta, ora dizendo que eu nem para caçar servia, que não tinha uma pontinha de responsabilidade, nem de personalidade, que era um vencido e um rendido à família, que tudo o que esperava era cama, comida e um ou outro elogio para alimentar o Ego… Devia era pôr os olhos e os sentidos na Tifany, na sua personalidade, carácter, estampa imperial, sem concessões de qualquer espécie, dona do seu canto e da sua vida, mais que isso, autónoma em caso de necessidade, “olha, pá, és um merdas completo!”.

Já não me bastava ter entrado na família com a vida em andamento, ter de aturar as caçadas, ou não caçadas do Pai, ainda tinha de ouvir a série infindável de ofensas, para mais vinda do membro da família que menos parecia ser capaz de me querer mal…

Foi aí que a minha tampa acabou por explodir e resolvi terminar com esta relação que não tinha pernas para andar e entrei em greve!

Sim, em greve! Finalmente ia demonstrar a todos que tinha personalidade, que nunca me resignaria, que nunca trocaria um carinho por um biscoito, mesmo dos que mais gostava, que nunca mais me deixaria conduzir por aqui ou por acolá, que a partir daquele momento levaria uma vida independente, muito mais do que a Tifany e jamais alguém daquela casa iria experimentar o calor da minha amizade, mas apenas e só o distanciamento, quem sabe se até mesmo desprezo… Afinal, nunca permitiria que me pusessem ao nível de um palerma qualquer…

Deixei de comer os petiscos que a Mãe fazia, não saí mais com alguém da família, deixei de passar cartão a todos eles, demonstrei-lhes que não era só a Tifany que era independente e altiva, pus-lhes diante dos olhos a realidade de uma nova vida, sentia-me mesmo a viver outra dimensão da minha existência, estava a gostar…

Esta minha contestação durou cerca de meia hora! Fiquei louco quando a Lara me acenou com os biscoitos de que mais gosto…

Sei que foi vergonhoso e nem estranhei quando a Lara gritou para que todos olhassem “o Bobi está a ficar castanho!”, porque era eu que estava a corar…



sábado, 4 de fevereiro de 2017

GATOS, GATINHOS...

EM OUTUBRO DE 2000, SAÍU A 1.ª EDIÇÃO DA ANTOLOGIA DE CONTOS "GATOS, GATINHOS...", DAS EDIÇÕES HUGIN, QUE CONTINHA O CONTO "O SONHO DE LEOCÁDIA", PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ.


SEGUIU-SE UMA 2.ª EDIÇÃO E PRESENÇA EM VÁRIOS EVENTOS