segunda-feira, 10 de abril de 2017

TRETAS À PORTUGUESA

Abrimos mais uma janela na blogosfera.

O "TRETAS À PORTUGUESA" vai tratar de "coisitas" que se passam na nossa vida de todos os dias, por que quase todos já passamos e que seriam "quase" casos de polícia, se não se passassem em Portugal!

O primeiro relato, já publicado, tem como alvo a GALP ON, fornecedor de electricidade e a denominada autoridade reguladora, a ERSE. A vítima, como sempre, é um consumidor português que no fim das contas ficou a haver da GALP ON uma importância em dinheiro, que esta lhe cobrou abusivamente!!

Em breve haverá outros casos e o próximo vai direitinho à NESTLÉ (DOLCE GUSTO) e seus concursos da treta e envolve também um secretário do Ministério da Administração Interna, a quem devia competir zelar pelo cumprimento dos regulamentos dos concursos!

Outros se seguirão!

Este blogue está aberto a TODOS que tenham "casos" com entidades, Estado, empresas...

Estamos em tretasaportuguesa.blogspot.pt

quinta-feira, 6 de abril de 2017

FALECEU O FARINHA



NOTÍCIA TRISTE
O QUINTOBAIRRISMO PERDEU UM DOS SEUS MAIORES.
AO QUE SABEMOS JÁ FOI HÁ ALGUMAS SEMANAS, MAS SÓ AGORA A NOTÍCIA CIRCULOU NOS MEIOS QUINTOBAIRRISTAS.
O FARINHA FAZIA PARTE DO IMAGINÁRIO DO 5.º E DEPOIS 11.º BAIRRO. O HOMEM DOS CAPITAIS DEIXOU-NOS MAIS POBRES NO CAPITAL HUMANO!

ONDE QUER QUE ESTEJAS, FARINHA, RECEBE UM ENOOOORME ABRAÇO FRATERNO DE TODA A NOSSA MALTA QUINTOBAIRRISTA QUE VAI RESISTINDO...


terça-feira, 21 de março de 2017

A HORA MALDITA



PUBLICADO NA ANTOLOGIA DE CONTOS
“SOB UM OLHAR FELINO” – EDIÇÃO “FONTE DA PALAVRA”
2012
A HORA MALDITA

 LUÍS PESSOA

Fidalgo estugou o passo e seguiu rapidamente para a Sé ao encontro do seu antigo colega do Liceu de Viseu, Eugénio, mas a tarefa não era fácil perante os milhares de pessoas que para lá se dirigiam também, entoando, aqui e ali, cânticos e loas ao “Anjo”, ao “Santo”…
Rompendo pela multidão chegou à base do cruzeiro, estrategicamente colocado no centro da praça e que funcionava como um relógio de sol, que milhares de vezes servira, na sua infância, de local de brincadeiras, noite dentro, após a catequese que era ministrada no claustro da Sé.
Lá encontrou, encostado ao cruzeiro granítico, o seu amigo Eugénio, irmão do alvo dos cânticos.
- Que se passa? Como é que o teu irmão está ali?
O “ali” era a torre do relógio da Sé, bem lá no alto, onde um corpo pequeno e magro se expunha à multidão respeitosa, enquanto alguns vultos encapuçados se vislumbravam junto ao enorme sino, atrás dele, como que formando uma guarda de honra.
- Não vês? O meu irmão foi libertado, está ali e o Povo, de todos os lados, acorre para o saudar!
- Não é possível, Eugénio, porquê?
- Não entenderias. Tentei fazer-te ver enquanto era tempo, agora é tarde demais, isto foi mais longe do que devia…
- Tarde demais para quê? Limitei-me a cumprir o meu dever, não me restava mais nada. Avisei-te…
- É, nunca conseguirias entender, Fidalgo!


Tudo começara há algum tempo, quando o Inspector Fidalgo procurou o Eugénio para, entre recordações de loucas aventuras liceais, com fugas atribuladas, encontros e desencontros, lhe dizer que estava a investigar um caso muito complexo, relacionado com drogas vindas do exterior, em que o seu irmão Januário aparecia como um dos protagonistas. Em nome da velha amizade que sempre cultivaram, não queria fazer nada sem o avisar e tentar perceber o porquê dessa atitude.
- O teu irmão Januário, atravessa-se na minha investigação, aparece como figura central, o que vai conduzir ao seu envolvimento em todo este caso. O que faz ele agora?
- É médico.
- Ele era esquisito na altura em que o conheci no Liceu, muito senhor do seu nariz, não convivia, não comunicava…
- Não o reconhecerias hoje, está completamente mudado, é um médico respeitado. Mais, é adorado por toda a gente, sabe ouvir, tem a palavra certa no momento certo, é um modelo e um guia para toda esta pobre gente beiroa. Nunca nega os seus serviços, quer as pessoas possam pagar quer não. Faz hoje o que sempre ambicionou fazer.
- Eugénio, ele está envolvido num esquema muito complicado e quero que saibas que tenho de cumprir a minha missão, tenho responsabilidades, entendes? Não percebo como enveredou por traficar drogas se é tão querido por todos! Mas não posso pactuar com situações destas, entendes?
- Sim, mas digo-te já que ele não consome e muito menos trafica drogas e não aceitará nenhuma alteração de rumo na sua vida, foi-lhe muito doloroso chegar onde chegou e conquistar a estima e o amor de toda esta população. Quem se poderá gabar disso, diz-me cá?
- Conquistar a estima, Eugénio, mas à custa de quê? Não entendo, ele está envolvido em negócios de tráfico de drogas, não é em coisas menores! Há pagamentos dele a traficantes, há provas! Ó Eugénio, a sério que não entendo, como é que se é estimado a passar drogas, será a fornecê-las à borla? Não percebo! Olha, em nome da nossa amizade, tinha que te dizer isto, se quiseres fala com ele, porque eu não poderei fazer nada e vai doer a quem doer…
- Fidalgo, tu não entendes quem é o Januário. Se o pudesses conhecer… E eu não te posso ajudar, há um pacto que jurei cumprir.


Dias depois, na sequência da investigação, uma vaga de prisões, levava para trás das grades alguns dos implicados, entre os quais o médico Januário, sem dúvida o mais mediático.
A imprensa nacional, mas sobretudo a regional fez eco do desmantelamento de uma rede de tráfico de novos tipos de drogas, da prisão dos seus membros, com muitos contornos sórdidos e especulações suficientes para causar a perplexidade de quem só naquele momento soube do caso.
De todos os cantos das Beiras ecoaram, no entanto, gritos de revolta, que, a pouco e pouco, se transformaram em luta acesa, com apelos à mobilização contra a “injustiça” da prisão do “santo”, do “anjo”. Parecia que ninguém acreditava no seu envolvimento, ou que todos sabiam de alguma coisa que não podiam ou queriam contar.
E naquele dia de quente Maio, uma multidão anónima, quase silenciosa, calma, ordeira, numa paz inusitada, tomou os caminhos das serras, rumo à cidade. De todos os cantos apareceram gentes, do Douro ao Mondego, das Espanhas ao mar…
Os arruamentos foram-se enchendo de gente e a porta da penitenciária foi aberta de par em par, de lá saindo um vulto franzino, insignificante, embrulhado numa túnica, aconchegando nos braços um enorme e esplendido gato preto, pelo sedoso e brilhante, seguido de alguns presidiários invulgarmente calmos, absortos na figura mirrada que os precedia, como que fascinados. Os olhos do gato faiscavam, numa luz intensa que se sobrepunha à luminosidade do dia acalorado.
Em cortejo, percorreram os caminhos da Sé, por entre alas de rostos maravilhados que logo se alinhavam atrás do “santo” após a sua passagem, perante a incredulidade dos agentes policiais, completamente incapazes de agirem, como que enredados numa teia poderosa que o calor abrasador e tempestuoso mais acentuava.
Os guardiães do templo saíram alvoraçados para impedirem a entrada do “santo”, mas também a sua determinação foi vergada quase de imediato por força invisível e misteriosa, quedando-se de joelhos, um após outro, franqueando a pesada porta e dando passagem ao cortejo. Que estranha força era aquela, de onde irradiava, daquele ser franzino e discreto à vista e ao contacto, ou daquele magnífico felino lustroso, simultaneamente tranquilizador e selvagem?


Já no alto da torre, o vulto franzino abriu os braços perante a multidão, dando largas ao felino que logo pulou para o sino, num salto magistral e dominador, parecendo absorver no seu olhar fulminante, todos os olhos que se fixavam na cena que ali se desenrolava.
Com voz sumida, mas audível, dirigiu-se aos seus seguidores:
- Meus Amigos, ide para vossas casas. O que estais a fazer não está certo. Não mereço a vossa presença, não sou santo nem demónio, sou como todos vós!
E um coro de milhares de vozes ecoou na vetusta praça granítica:
- Santo! Santo! Santo!
O gato miou, em quase desespero, pareceu maior que nunca, trepou para a cúpula, dominando toda a praça, abriu a boca, mostrando uns dentes alvos, em contraste com o pelo escuro como breu, brilhante como diamante polido e rosnou altivamente, dominador…
- Não, não, sou como vocês! Sabem quem sou, o que faço e porque o faço, isso chega-me e reconforta-me. Infringi as leis dos homens e dizem que tenho de pagar a minha dívida, mas não infringi as leis dos vossos corações e agradeço-vos por isso. Estais aqui porque quisestes vir, ninguém vos obrigou. Devo-vos isso. Parti, porque também eu tenho que partir! Ide para casa!
- Santo! Santo! Santo!

Os homens que o acompanharam na caminhada e na subida ao campanário, chegaram-se mais à frente, aproximaram-se mais dele, ajoelharam-se como que a pedir perdão e depois de receberem um aceno aprovador e umas quantas palavras que se perderam no ar, precipitaram-no do alto da torre.
A queda desamparada nos degraus da escadaria monumental ocorreu no preciso momento em que um raio varreu os céus escurecidos, perante o silêncio sepulcral da multidão, que ajoelhou num gesto único. No momento seguinte, o ribombar do trovão abanou os ares e uma chuva diluviana abateu-se sobre aquela multidão muda e imóvel.
Em completo êxtase, Fidalgo não conseguia desviar o olhar da torre onde o relógio marcava a hora maldita, como se o Januário ainda lá estivesse e só despertou do torpor em que se encontrava para seguir Eugénio quando este virou as costas à Sé e caminhou, determinado, por entre a multidão de joelhos, para fora da praça.


No silêncio ensurdecedor da cidade perdida no tempo e no espaço, só os passos dos dois amigos se faziam ouvir por sobre o ruído da chuva diluviana, enquanto subiam as escadas para casa de Eugénio, deixando atrás de si um sinuoso rasto aquoso. Já na sala, sem uma única palavra, sem um único sinal de emoção, este abriu um armário envidraçado e de lá retirou um DVD que pôs a correr…
Januário estava sentado junto de uma senhora com aparência de muito doente, algures numa casa humilde, sem janelas, iluminada por velas trémulas, perante rostos fechados e tristes.
- Dona Arminda, minha querida, está aqui com todos os seus familiares e amigos da aldeia, como sempre quis. Quero ter a certeza de que a senhora sabe bem o que se está a passar e o que me pede para fazer.
- Sim, senhor doutor. – Balbuciou com muito custo.
- Dona Arminda, só o seu desejo conta para mim, nada mais. Só a senhora pode decidir, percebe?
- Sim.
- Diga-me, pois, perante toda a sua família e amigos se é mesmo o que pretende?
- Sim, senhor doutor, é o que quero…
- Dona Arminda, peço-lhe que pense bem, os padres e a igreja dizem que é um terrível pecado, pense bem, por favor.
- Senhor doutor, estou pronta.
- Dona Arminda, não quer despedir-se dos seus filhos e netos?
- Sim, senhor doutor, que Deus os abençoe e a si pela sua bondade…
- Adeus, Dona Arminda, não vai sentir nada, vai apenas adormecer.
- Que Deus o abençoe, senhor doutor…

À medida que o líquido era introduzido na veia e a paz descia placidamente àquele corpo martirizado pela doença, o sofrimento era bem visível no rosto do médico e algumas lágrimas escorriam-lhe pela face, enquanto afagava carinhosamente os cabelos da pobre senhora…
Uma das pessoas presentes aproximou-se e disse-lhe baixinho:
- Obrigado, senhor doutor, era a vontade da minha avó e só desejo, se vier a estar como ela, ter um santo como o doutor junto de mim…


Fez-se um silêncio sepulcral…
- Eugénio? E o gato?
- Gato? Qual gato, Fidalgo?



quinta-feira, 2 de março de 2017

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O CAMACHO DESAFIA: ONDE ESTÁ O MEU PAI?


NESTA FOTO ESTÃO COLEGAS NOSSOS, CERTAMENTE JÁ TODOS FALECIDOS.

ENTRE ELES ESTÁ UM CAMACHO, O PAI DO NOSSO COLEGA MILITÃO CAMACHO, AMBOS QUINTOBAIRRISTAS.

ONDE ESTÁ O CAMACHO?



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

LAIKA - UM CONTO CONTRA A INDIFERENÇA!


PUBLICADO NA ANTOLOGIA DE CONTOS

“CACHORROS, CACHORRINHOS” – EDIÇÃO “HUGIN”- 2002

 
 
LAIKA, DEUSA DO ESPAÇO

CONTO DE: LUÍS PESSOA 

Alexander levantou-se, meio combalido e não deixou de mandar um grito, misto de alegria e dor:

  Laika, larga! Laika!

 
A cadela, olhos brilhantes e cauda ondulante, deu mais uma volta no ar e atirou-se de novo sobre o rapaz, deixando-o quase sem fôlego.

 Erik e Ludmila, sentados a um canto, fora do palco em que se desenrolava toda a acção, sorriam com as traquinices da cadela.

 Erik, achas mesmo que a Laika vai para o Espaço? – Interrogou Ludmila, com voz sumida.

 Creio que sim, ela está preparada para isso…

 A “luta” acabou e Alexander e Laika juntaram-se aos outros dois, ofegantes mas irradiando uma felicidade contagiante.

 

A história começara há algum tempo atrás, quando o pai de Erik apareceu em casa com a cadela, que prontamente foi adoptada, não só pela família, mas também por toda a vizinhança. Uma cadela banal, normal, mas transportadora de uma enorme carga: Fora seleccionada para ir ao Espaço.

 

O pai de Erik trabalhava no projecto espacial desde há alguns anos e fora-lhe incumbida a tarefa de encontrar o cão apropriado para essa aventura.

Escolhera Laika.

 Desde essa altura, Erik mostrava-se preocupado e as notas na escola sofreram uma acentuada queda, o que fez com que o pai tivesse uma longa conversa com ele, que se centrou, naturalmente, na situação da cadela.

 
O pai fez ver a Erik que a Laika não era dele, nem de ninguém, mas de todos os habitantes do Mundo e que ia cumprir uma missão que só estava ao alcance dos grandes heróis. Seria venerada para todo o sempre, como exemplo de heroicidade e abnegação, motivo de todos os orgulhos.

 Pai, a Laika vai voltar?

 
 Olha, filho… - longa hesitação perante aquele olhar quase suplicante de uma resposta positiva – ninguém pode dizer o que se vai passar…

 
Mas volta, pai?

 Sim, filho, vai voltar! – mentiu.

Os medos foram atenuados e tudo parecia correr bem, até ao momento em que Ludmila apareceu com a triste notícia:

 
Ouvi o teu pai dizer que nem sabe como é que te há-de contar que a Laika não pode regressar. Estás a ouvir, Erik, a Laika vai morrer lá em cima…

 
Não, nunca! O meu pai nunca me mentiu e não o ia fazer agora… Não acredito!

 

 Erik, juro-te que é verdade!

 
Temos de fazer alguma coisa! – interrompeu o Alexander. – A Ludmila não ia mentir ou brincar com isto. O teu pai não te contou tudo… Temos de esconder a Laika, levá-la para longe daqui, não sei… Talvez para casa da minha tia.

 
A angústia espalhou-se por aquela três criaturas e um milhão de hipóteses varreu, em turbilhão, aquelas cabecitas, ainda puras no pensar e ingénuas nos propósitos.,

 
É isso! – gritou Erik. – Vamos fugir com ela, apanhamos o comboio, escondemo-nos no furgão das cargas e vamos embora. Assim não a apanham!

 

 Boa, vai buscar a Laika, Alexander, enquanto eu preparo alguma coisa para comermos, nós e a Laika!

 

Cerca de quinze minutos depois, os três miúdos estavam prontos, com a Laika presa pela trela e decididos a tudo.

 
O pai de Erik não falara de grande aventura? Pois era o que ia acontecer, sem ter de mandar a Laika para o Espaço!

 

O sol já ia alto quando chegaram à estação de comboios. Ludmila morava ali perto e sabia os horários e as linhas de onde partiam todas as composições e assim não houve enganos nem complicações.

 

Horas depois, dois cenários se desenhavam: No comboio as crianças dormiam ao redor de Laika, em busca de um pouco de calor, que as temperaturas negativas e a falta de conforto, não propiciavam; Lá longe, umas centenas de quilómetros atrás, várias famílias procuravam-nos, tentando perceber o que os fizera largar tudo e partir.

 
Só o pai de Erik sabia…

 

Com o alarme dado, com todas as autoridades no seu encalço, porque eram apenas crianças com uma cadela, não foi particularmente difícil encontrá-los, lá longe, onde o gelo, a neve, a fome e o frio imperavam.

 

Numa última e desesperada tentativa, Erik falou com Laika e contou-lhe tudo, contou-lhe que a queriam mandar para o Espaço, que o pai lhe mentira e que ela jamais poderia regressar à Terra, que estava condenada à morte e que tinha de fugir a todo o custo.

 
Eles andam à nossa procura, não de ti, Laika! Vai embora, corre, esconde-te, procura um rapaz que te possa defender melhor que eu, vai embora!

 
As lágrimas escorriam pela face do garoto, perante a incredulidade dos polícias que presenciavam a cena, sem nada entenderem. Um deles chegou mesmo a simular um pontapé na cadela, para a afastar, mas sem êxito.

 
Acabaram todos recambiados para a origem, onde foram recebidos com natural alívio pelas famílias.

 
Meses depois, a 3 de Novembro de 1957, num dia muito frio, Laika cumpriu o seu destino trágico, ela que se recusara a fugir enquanto podia.

 
Durante uma semana inteira, Laika vagueou no Espaço, onde nunca estivera qualquer ser terrestre.

 
Durante todo esse tempo, três pares de olhos mantiveram-se dirigidos para o alto, para o céu estrelado, procurando o ponto luminoso, muito brilhante, que transportava a sua amiga.

 
Foi então que tudo acabou para Laika, quando ingeriu a sua última ração alimentar, que continha uma poderosa droga que a fez mergulhar no sono eterno e repentinamente, em toda a Terra, milhões e milhões de cães, lobos, coiotes, lancinaram os ares com uivos, enquanto o céu era atravessado por milhares de estrelas cadentes, numa homenagem à Deusa do Espaço.

 
Menos de três anos depois, a 19 de Março de 1960, os três amigos inseparáveis estavam de olhos no ar para assistir à partida de mais amigos seus, Belka e Strelka, dois alegres cães, que após um dia no Espaço, regressaram sãos e salvos, cumprindo-se a promessa feita pelo pai de Erik, de que todos os cães passariam a ter a hipótese de voltar e só se alguma coisa corresse mal, não regressariam, como veio a acontecer a 1 de Dezembro desse mesmo ano, quando Pchelka e Mushka viram a sua reentrada na atmosfera falhada e por lá morreram…

 
Heróis ou apenas cães obrigados a cumprir um destino que os homens lhes traçaram, nunca saberemos ao certo.

 
Certo, mesmo, é que Laika não quis fugir, algures no meio de nada.

 
As deusas não fogem, muito menos morrem!

 
Luís Pessoa

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

GREVE


OS QUINTOBAIRRISTAS CONTINUAM ADORMECIDOS...

DURMAM... DURMAM... DEPOIS QUEIXEM-SE!

CÁ VAI MAIS UM CONTO.
DESTA VEZ DA ANTOLOGIA "CACHORROS, CACHORRINHOS..." DE 2001, DAS EDIÇÕES HUGIN:



 GREVE

CONTO DE LUÍS PESSOA


Nem quero pensar no que senti quando entrei pela primeira vez naquele reino esquisito, onde tudo rodava ao sabor dos caprichos de miúdos rabugentos e adultos capazes de registar os pensamentos mais confusos, até para mim.

O Joca era um adolescente em crise de afirmação, que procurava por todos os meios chamar a atenção para uns pelitos que despontavam numas bochechas rosadas, quase retiradas de um leitão imberbe.

A Lara era a personificação de uma alma penada em busca do sossego perdido quando uma imobiliária resolve urbanizar em redor do cemitério. Todo o dia deambulava de cá para lá, procurando alguém a quem chagar até ao desespero, com uma voz irritada e irritante… Era a mais suportável, apesar de tudo.

Dos adultos, direi apenas que o Pai era um típico homem dos nossos tempos, nem carne nem peixe, ora bem disposto – assobiando as pestilentas árias que ouvia à saciedade quando atirava a carcaça de um bom cento de quilos para cima do sofá, abaulado de tanto peso, ficando preso durante horas e horas em frente da televisão, devorando novelas, futebóis e cerveja, que tinha o condão de despertar sonoros arrotos que ecoavam nos quarteirões vizinhos -, ora embirrando com tudo e todos, a começar por quem estava mais à mão de semear.

Da Mãe, suave e querida matrona de carnes flácidas, quase permanentemente empanturrada em cachorros empastados em mostarda e grossas postas de toucinho, de aspecto encardido, escorrendo fluidos gordurosos, que ia disciplinando com movimentos certeiros de língua, mais para que nada se perdesse do que para não sujar roupas ou sofá, pouco havia que dizer e, do meu ponto de vista, quase sempre bem. E digo quase, porque havia dias em que tudo parecia correr mal:
Era a novela das 7 em que o Florindo não se decidia a embarcar no veleiro do amor com a Serafina, “uma moça tão querida, onde é que ele vai arranjar alguém como ela? Digam lá?; era o rapazinho do Big Brother que se estava a atirar à Belinha, “coitada, ela tem namorado, não vês? Devias era atirar-te à Necas, essa sim, uma mulheraça!”; era o comando da televisão que deixava de funcionar e assim não conseguia, nem com toda a boa vontade que os cento e tais quilos podiam permitir, acompanhar as novelas da Um, da Três e da Quatro…

Para completar o quadro familiar, faltava a Tifany, a estúpida e cretina gata, que passava os dias a roçar-se pelos cantos, com pretenso ar distante e superior, irritante!

Quando cheguei, não posso dizer que as portas se tivessem aberto de par em par, mas sempre pude ouvir algumas exclamações mais ou menos elogiosas, acompanhadas de promessas de amor eterno e ais ternurentos a que o meu passado não estava nada habituado. E nem o facto de eu ser preto diminuiu as manifestações de afecto, gata à parte!

Como boa família que se gabava de ser, fui prontamente integrado em todos os aspectos da rotina diária e não diária. A minha cama era uma maravilha, a mesa farta, sentia-me bem. Várias vezes por dia era suavemente convidado para longos passeios pelas redondezas, para me ambientar com as ruas, os jardins, os vizinhos… Tudo jóia!

O pior veio depois, quando o Pai apareceu com ideias, no mínimo esquisitas. Foi ao armário onde guardava todas as inutilidades e apareceu com uma arma caçadeira enferrujada, que oleou até à exaustão, badalando aos quatro ventos que finalmente compreendera que estava a sofrer os malefícios de uma vida sedentária, que conduziria inevitavelmente à ruína física e psicológica, “patati, patatá” e por isso tomara uma decisão, melhor, tomara A Decisão: Ia caçar!

Assim de repente, toda a família rejubilou!
O Joca apoiou com todo o vigor, era o que sempre esperara, ou seja, ver o Pai pelas costas aos domingos, era o máximo!
A Lara, apesar de ser ainda uma miúda quase ranhosa, armava-se em conquistadora e arrastava a asa ao borbulhento do vizinho e assim antevia nos longos domingos que se aproximavam, a grande oportunidade de se travestir em pessoa com charme e espalhar o seu amor, que era tudo menos correspondido.
A Mãe, essa ficou um pouco apreensiva, sabia que o Pai não acertava num elefante a cinco metros de distância, mas isso de lidar com armas… Mas acalmou quando soube que eu fora “eleito democraticamente” para o acompanhar para todo o lado, enquanto a mania das caças não se varresse definitivamente, ou pelo menos por uma longa época, daquela cabeça. E depois, com o Pai fora, a televisão ficava inevitavelmente sua, sem futebol…

Foram tempos difíceis, mais ainda do que estava à espera. Com sol ou com chuva, por campos, montanhas e vales, desde a madrugada ainda não nascida, até á noite já instalada, em canseiras que não posso descrever sem sentir um nó na garganta, por lá andávamos, sempre com aquele som terrível de tiros a entranhar-se nos ouvidos.

De caça, nada. Pontaria era coisa que não havia e um responsável pelo fracasso estava sempre ali à mão, era eu! Dizia que me movera no momento do disparo e assustara a lebre, que não estava atento ao tiro e assim nunca dava com a caça, que fazia muito barulho…

Acabou por falhar todos os objectivos. Não houve caça nos pratos da família; a forma física não melhorou com os passeios, em grande parte porque os petiscos e as cervejas se uniram para acabar com a pretensão; o Joca acabou por levar uma de prisão em casa, à guarda da Mãe, por desacatos num bar onde entrara bem atestado de cerveja e saíra mais leve, depois de despejar em plena pista de dança, tudo o que transportava no estômago; a Lara levou uma tampa de todo o tamanho, do borbulhento, que agora se pavoneava na vizinhança, de mão dada a uma também borbulhenta e afogava-se em coca-cola e hamburgers, entremeados com doses bem aviadas de gomas e chupas de aspecto terrível; a Mãe prosseguia a sua saga de acabar com tudo o que se pudesse comer naquela casa, em frente das novelas e romances cor-de-rosa; a Tifany continuava a passar os dias a roçar-se pelas esquinas.

Só o Pai e eu sentimos alguma diferença. Ele, porque redescobriu os prazeres do exercício físico, em frente da televisão, eu porque finalmente tinha encontrado o direito ao repouso, ou pelo menos assim pensava, até que a Lara se encarregou de estragar as perspectivas ao largar as colas e dedicar-se a comparar-me com a Tifany, vezes sem conta, ora dizendo que eu nem para caçar servia, que não tinha uma pontinha de responsabilidade, nem de personalidade, que era um vencido e um rendido à família, que tudo o que esperava era cama, comida e um ou outro elogio para alimentar o Ego… Devia era pôr os olhos e os sentidos na Tifany, na sua personalidade, carácter, estampa imperial, sem concessões de qualquer espécie, dona do seu canto e da sua vida, mais que isso, autónoma em caso de necessidade, “olha, pá, és um merdas completo!”.

Já não me bastava ter entrado na família com a vida em andamento, ter de aturar as caçadas, ou não caçadas do Pai, ainda tinha de ouvir a série infindável de ofensas, para mais vinda do membro da família que menos parecia ser capaz de me querer mal…

Foi aí que a minha tampa acabou por explodir e resolvi terminar com esta relação que não tinha pernas para andar e entrei em greve!

Sim, em greve! Finalmente ia demonstrar a todos que tinha personalidade, que nunca me resignaria, que nunca trocaria um carinho por um biscoito, mesmo dos que mais gostava, que nunca mais me deixaria conduzir por aqui ou por acolá, que a partir daquele momento levaria uma vida independente, muito mais do que a Tifany e jamais alguém daquela casa iria experimentar o calor da minha amizade, mas apenas e só o distanciamento, quem sabe se até mesmo desprezo… Afinal, nunca permitiria que me pusessem ao nível de um palerma qualquer…

Deixei de comer os petiscos que a Mãe fazia, não saí mais com alguém da família, deixei de passar cartão a todos eles, demonstrei-lhes que não era só a Tifany que era independente e altiva, pus-lhes diante dos olhos a realidade de uma nova vida, sentia-me mesmo a viver outra dimensão da minha existência, estava a gostar…

Esta minha contestação durou cerca de meia hora! Fiquei louco quando a Lara me acenou com os biscoitos de que mais gosto…

Sei que foi vergonhoso e nem estranhei quando a Lara gritou para que todos olhassem “o Bobi está a ficar castanho!”, porque era eu que estava a corar…



sábado, 4 de fevereiro de 2017

GATOS, GATINHOS...

EM OUTUBRO DE 2000, SAÍU A 1.ª EDIÇÃO DA ANTOLOGIA DE CONTOS "GATOS, GATINHOS...", DAS EDIÇÕES HUGIN, QUE CONTINHA O CONTO "O SONHO DE LEOCÁDIA", PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ.


SEGUIU-SE UMA 2.ª EDIÇÃO E PRESENÇA EM VÁRIOS EVENTOS


sábado, 14 de janeiro de 2017

O COMEÇO DE TUDO...

NOMEAÇÃO PARA O 5.º BAIRRO FISCAL
COMO ASPIRANTE ESTAGIÁRIO



COMO ESTAVA NA TROPA, A POSSE FOI SÓ EM 31 DE DEZEMBRO DE 1976

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

SILÊNCIO QUINTOBAIRRISTA

OUÇAM O SILÊNCIO...

OUÇAM BEM...

POIS BEM, FIQUEM COM O SILÊNCIO 
QUE EU VOU CONTINUAR A G R I T A R!


DA ANTOLOGIA DE 2012


TOMEM LÁ UM CONTO:


O SONHO DE LEOCÁDIA


Conto de Luís Pessoa


Sempre que o sol rompia, esfarelando a finíssima teia nevoenta que o frio da noite tecera, a vida retomava o seu ciclo por entre algazarras juvenis e espreguiçadelas amadurecidas nos anos.
A vida familiar era assim mesmo, marcada pela sucessão do dia e da noite, pela presença e pela ausência, pela penúria e pela abundância e Leocádia sabia isso perfeitamente.

- Leocádia, todo o cuidado é pouco. Presta atenção ao que te digo…

Os alertas mil vezes repetidos, ora pelo pai, ora pela mãe, encontravam o eco que Leocádia entendia merecerem, ou seja, nenhum.

Se a vida era bela, os odores da terra e do lago, do céu e da floresta traziam no seu seio a inebriante frescura da paz, se tinha a certeza de ser aquela que os deusas escolheram para ser feliz e capaz de arrostar todas as improváveis adversidades, que razões poderiam ter os pais para tantos avisos?

E todos os dias a cena se repetia, quando eles saíam em busca do sustento de toda a família.

Leocádia brincava descuidadamente com o irmão, rebolando pela encosta, saltitando alegremente, sorvendo cada segundo, enquanto o irmão se ia revelando mais maduro, mais atento ao mundo e aos perigos que sempre rodeiam os jovens. Leonel já sentia as transformações que o seu corpo operava e as formas que a Leocádia exibia, ainda que esta não parecesse notar. A infância fora-se, de forma rápida e o mundo parecia ter mudado ao mesmo ritmo. Só os avisos dos pais se mantinham inalterados, em apelos cada vez mais insistentes para que todos os sentidos estivessem sempre no máximo de concentração.

Leonel apreendeu, Leocádia ignorou.

Um dia os pais não regressaram e Leonel anunciou que se ia embora.

Sozinha, Leocádia viu chegada a sua hora, porque nunca fora o que os pais queriam que ela fosse, porque era ela, aquela que acreditava, melhor, que sabia ser a eleita pelos deuses e que nada nem ninguém podia destruir ou sequer perturbar.

E iniciou a sua grande viagem, pela madrugada.


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Sara, vivia no fausto do seu apartamento, bem no centro da cidade e de lá irradiava beleza e falta de sentido de vida. Nada nem ninguém a entusiasmava e só umas tantas jóias, vestidos sumptuosos, casacos de pele caríssimos e outros artifícios lhe despertavam, ainda, algum sentimento.

João, arquitecto de obras nunca feitas, herdeiro natural de fortunas que não conquistou, era o eleito do coração de Sara, pelo menos por agora, enquanto diamantes e riquezas brotassem das mãos bem tratadas, que nunca conheceram trabalho.

Naquele princípio de tarde, ao acordar após uma noite particularmente agitada, com baile de gala e champanhe francês em abundância, Sara ergueu os olhos ao céu do quarto e não se sentiu…

- Não sou Sara… Não sou…

Ergueu-se deslumbrante, felina, magnífica, como só as deusas sabem ser, exibindo a graça e a feminilidade dos seres abençoados, rasgando o silêncio com um suave ronronar, atravessado a espaços, por rugidos de amantes entrelaçados.

A porta abriu-se e sorrateiramente, João entrou para dar o costumado beijo à sua amada, mas não a reconheceu.
Viu Milinha, a gata de estimação em estado de choque, hipnotizada, como que em adoração a uma divindade maravilhosa, cintilante na sua auréola…

João não teve medo, não gritou, não pediu ajuda, apenas se inclinou, respeitoso, quase reverente, submerso no mar imenso de luminosidade, antes de cair de joelhos, erguendo as mãos em prece, até tocar a pelagem sedosa, brilhante, imaculada, de uma beleza que ultrapassava a imaginação.

Fora precisamente para isso que comprara aquela pele maravilhosa a um caçador furtivo, recentemente regressado de África, que lhe jurou ter visto a majestosa fêmea chorar, quando a surpreendeu, distraída…

- Não exactamente distraída, mas sonhadora! – Afirmara-lhe ele.

João vivia o sonho, finalmente, deslumbrado e manietado, balbuciando um nome que nunca ouvira:

- Leocádia!... Leocádia, meu amor!...